16 de abril de 2010

Filho de Sarney ajudou a fazer "consórcio paralelo", afirma PF

O empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ajudou a fechar acordo clandestino pelo qual um grupo de empreiteiras burlou o processo de licitação e é acusado de desviar dinheiro público da principal obra ferroviária do país.

A fraude, apontada pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União, deu-se em um trecho da ferrovia Norte-Sul. Orçada em mais de R$ 1 bilhão, a construção faz parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a vitrine eleitoral da pré-candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT).
O projeto é administrado pela Valec, estatal ligada ao Ministério dos Transportes há anos sob influência direta de José Sarney. Ulisses Assad, diretor da empresa à época do esquema, foi nomeado por indicação do presidente do Senado.

A licitação para o contrato 013/06, que trata do trecho entre os municípios goianos de Santa Isabel e Uruaçu, foi vencida pela Constran. Porém, numa subcontratação "ilícita" e "grave", nas palavras do TCU, as construtoras EIT e Lupama passaram a participar da obra.

Por meio desse acerto, apelidado pelos peritos da PF de "consórcio paralelo", empreiteiras driblam o resultado de concorrências e repartem "por fora" contratos públicos no país, conforme mostraram reportagens da Folha.
Logo após vencer a licitação do lote Santa Isabel-Uruaçu, de R$ 245,5 milhões, a Constran firmou um acordo com as duas outras construtoras, repassando a cada uma 16,65% da empreitada. O combinado foi feito sem análise nem autorização da Valec, em desrespeito à Lei de Licitações (8.666/93).

Auditoria do TCU nesse trecho da Norte-Sul constatou sobrepreço de R$ 63,3 milhões na atuação desse consórcio paralelo. Segundo a perícia da PF, a fraude chegou a R$ 59 milhões.

De acordo com relatório da PF na Operação Faktor (ex-Boi Barrica), a Lupama é uma empresa de fachada, que não tem capital social "nem sequer para construir uma ponte". Seus sócios são Flávio Lima e Gianfranco Perasso, ambos amigos de Fernando Sarney. Perasso é apontado pela polícia como o operador de contas da família Sarney no exterior -a Folha revelou neste ano que o filho do senador já teve dinheiro rastreado e bloqueado pelos governos da China e da Suíça.

A Folha foi ao endereço que está no registro da sede da Lupama. Durvalina da Silva, 55, que mora na pequena casa de alvenaria há 20 anos, disse que o marido, Modesto de Freitas, apenas cedeu o endereço a Flávio Lima. Segundo ela, na casa não há atividades da empresa. "Só chega correspondência."
A EIT, por sua vez, pagou "pedágio" para entrar no esquema, segundo revelam conversas interceptadas pela PF com autorização judicial -as mesmas escutas que indicam a participação de Fernando Sarney na formação do "consórcio paralelo" da Norte-Sul.

Em telefonema grampeado de maio de 2008, Flávio Lima cobra de um funcionário da EIT chamado Romildo parte do pagamento referente ao contrato 013/06. A expressão usada é "pagar a diferença", interpretada pela polícia como sinônimo de propina.

Romildo responde que seu chefe na EIT condicionou o pagamento à realização de uma reunião com Flávio Lima e Fernando Sarney. Flávio rebate que a EIT havia recebido o contrato "no colo", cobra de forma enérgica o pagamento da "diferença" e ameaça recomendar a Fernando "ignorar o pessoal da EIT" enquanto a pendência não fosse resolvida. Os diálogos mostram que, sem o pagamento, a EIT não seria incluída num novo contrato que era negociado com a Valec.

"Eu tô p... mesmo. Ah, quer que eu converse com o Fernando? Sabe quem vai chegar com o Fernando e com o Ulisses [Assad] pra fazer a porra da vistoria na sexta-feira? Sou eu", afirma Flávio para Romildo.

Segundo a PF, após essas ameaças, a EIT aceitou pagar R$ 160 mil aos sócios da Lupama. No mesmo dia, Romildo ligou para Fernando Sarney confirmando o depósito. "Cabe frisar ainda que Fernando, após o pagamento, determinou a Flávio que fizesse alguns pagamentos [...], o que reforça ser Fernando Sarney o chefe da orcrim [organização criminosa]", escreveu a PF. Quando a Operação Faktor veio à tona, Ulisses Assad foi afastado da direção da Valec.

Por Hudson Corrêa, da Sucursal de Brasília

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