3 de julho de 2011

Nova lei da prisão: Incentivo à impunidade ou avanço na legislação?

Em 2004, o Amapá era balançado pela primeira operação federal denominada Pororoca, menção ao fenômeno natural ocorrido no Estado que vai levando tudo o que encontra pela frente. Desta mesma forma, os policiais levaram para cadeia autoridades, servidores públicos, empresários e profissionais liberais, todos acusados de corrupção.

Após meses de investigações, muitos detidos foram colocados em liberdade, pois a maioria das acusações eram infundadas. Porém, a partir desta segunda-feira (4), esse quadro de atuação policial será mudado com a nova lei da prisão preventiva.
Com a legislação vai ficar mais difícil decretar a prisão preventiva de alguém, mesmo nos casos em que o acusado em questão for pego em flagrante delito. Isso porque a Lei Federal nº 12.403 estabelece medidas alternativas e novos critérios para esse tipo de detenção. Entre eles, a de que a pena não poderá ser aplicada a quem cometer crimes dolosos puníveis com detenção inferior a quatro anos. Ou seja, se o criminoso for penalizado com uma punição inferior a quatro anos de prisão o mesmo se livra da prisão preventiva.

De um lado, juízes manifestam preocupação diante da possibilidade de criminosos permanecerem nas ruas cometendo novos delitos até que sejam julgados. De outro, as polícias civil e militar e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defendem que a lei representa um avanço ao permitir a aplicação de medidas alternativas à prisão preventiva, o que servirá para desafogar o sistema carcerário.

A nova lei é a antecipação de parte de uma ampla reforma do Código de Processo Penal que, em sua completude, ainda está em fase de aprovação na Câmara dos Deputados, em Brasília. A principal mudança implementada por ela refere-se à prisão preventiva que, caso o crime tenha pena prevista menor do que quatro anos, poderá ser substituída por pagamento de fiança ou sanções alternativas como comparecimento periódico em juízo ou a proibição de acesso a lugares determinados, de contato com pessoas específicas e de realizar viagens.

Outras possibilidades serão ainda o recolhimento domiciliar à noite, a suspensão do exercício de função pública, a internação provisória, a fiança e o monitoramento eletrônico. “É, praticamente, a legitimação da impunidade. Hoje, quem comete um crime menor, como furto, acaba nem cumprindo pena. O processo é suspenso no prazo de dois anos e o réu se torna primário de novo”, argumenta o juiz Edison Brandão.

Além de ser admitida nos crimes dolosos com pena superior a quatro anos, a prisão preventiva também é aplicada quando o acusado tiver sido condenado por outro crime doloso ou ainda para proteger a vítima em caso de violência familiar. Independentemente do crime cometido, grávidas, idosos com mais de 80 anos, doentes e portadores de deficiência terão direito a cumprir prisão domiciliar. “Na prática, vai ficar bastante difícil alguém ir para a cadeia, porque as hipóteses ficaram bastante restritas. Só em último caso é que será decretada a prisão preventiva”, argumenta um profissional do Poder Judiciário de Bauru, que preferiu não se identificar.

FIANÇA

Nos casos em que cabe fiança, o valor máximo a ser estipulado será de até 200 salários mínimos (R$ 109 mil em valores atuais). Mas, dependendo da “situação econômica do preso”, o pagamento poderá ser multiplicado por mil, chegando ao máximo de R$ 109 milhões. O pagamento de fiança, entretanto, não será aceito em crimes como racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos, crimes cometidos por grupos armados (civis ou militares) contra a ordem constitucional ou para quem estiver infringindo fiança anteriormente concedida.

Para o delegado seccional Benedito Antônio Valencise, a mudança é positiva na medida em que dará maior autonomia aos delegados de polícia, que serão autorizados a conceder fiança em crimes com pena de privação de liberdade de até 4 anos de reclusão. Quando a pena for de até oito anos, o pagamento deverá ser requerido ao juiz.

Mas, segundo Valencise, a Polícia Civil deverá usar o bom senso para colocar os criminosos em liberdade. “Em caso de furto (que prevê pena de até quatro anos), por exemplo, o delegado poderá decidir pela fiança, desafogando o sistema carcerário. É claro que, se o criminoso oferecer algum grau de perigo ou ameaçar o andamento do processo, permanecerá preso. O delegado que tiver compromisso com a lei só vai arbitrar fiança para réus primários, por exemplo. Não dá para generalizar”, analisa.

Para promotor criminal João Henrique Ferreira, se o artifício da fiança já não era uma tradição do Judiciário brasileiro, as chances de que se torne agora, com a mudança da norma, são pequenas. “Até porque, geralmente, os autores de crimes são pessoas que não possuem muitos recursos financeiros. Então, acredito que (a fiança) continuará sendo um instrumento em desuso. O que muda são as alternativas do juiz, que não precisará mais decidir ou pela soltura ou pela prisão do cidadão. Agora, terá a opção de decretar a adoção de medidas cautelares em vez da prisão. E essa nova possibilidade é bastante positiva”, analisa.

APLICABILIDADE

Para a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a mudança no Código de Processo Penal só será benéfica se for aplicada aos réus de todas as classes sociais. De antemão, o membro Thiago Guilherme de Sousa diz não acreditar nesta uniformidade de direitos, argumentando que nem sempre os instrumentos legais são aplicados da mesma maneira para todos os indivíduos. “A lei, enquanto norma, é muito bonita. Mas será que vai ser válida para os indivíduos de baixa renda? Será que, atualmente, é isso que acontece? É preciso levar em consideração que, quem tem mais medo de que os réus fiquem soltos são os que tem melhores condições financeiras”, aponta.

AVANÇO

Muitos especialistas em segurança pública consideram que as alterações sancionadas pela presidenta tornaram o Código de Processo Penal mais moderno e com cunho social fortalecido. De acordo com as opiniões, a partir da concessão de fiança e de medidas cautelares para alguns crimes, os criminosos com menor grau de periculosidade terão mais chances de não se envolver em delitos mais graves. “Um sujeito que praticou um furto simples, se colocado na cadeia, voltará pior do que entrou. A medida cautelar tem o objetivo de controlar as atividades da pessoa que está respondendo por um crime menos grave, sem que a vida dele seja demasiadamente degradada”, pontua um oficial da PM. “Acredito que não teremos muitos transtornos com a mudança da lei porque quem fica preso dificilmente consegue voltar para a vida civil com algum ganho para a sociedade. Nesse sentido, penso que as medidas cautelares nos darão uma resposta melhor”, continuou.

IMPUNIDADE

Para alguns serventuários do Judiciário, a nova lei aumentará a sensação de impunidade já sentida pela população. “Estamos vivendo uma situação de insegurança bastante grande. Não me parece o momento de as hipóteses de liberdade serem ampliadas. Fará com que um grande contingente de pessoas perigosas permanecem nas ruas O sujeito é obrigado a ficar em casa, mas quem irá fiscalizá-lo quanto a isso?”, questiona.

CONTRA

A lei 12.403/11 que modificou dispositivos do Código de Processo Penal é inconstitucional, segundo defende o advogado criminalista Luiz Celso de Barros. Ele explica que a mudança de regras vai de encontro ao artigo 60 da Constituição Federal, que garante que nenhuma emenda poderá alterar direitos e garantias individuais.

E, nestas garantias imutáveis, estariam incluídas as deliberações do Poder Judiciário. ”Partilhar o direito penal entre várias autoridades, como o delegado de polícia, que não possui competência para fazê-lo, é inconstitucional. O que precisa ser pensado é que esta lei vale para todo o País dentro de suas várias realidades e não haverá uma uniformidade de entendimento no momento de aplicar a norma”, frisa.

De acordo com Barros, se cada estado da federação tivesse seu próprio Código Penal, a delegação de poderes poderia funcionar de maneira mais eficiente por contemplar as necessidades específicas de cada parte do País. “Se a Constituição permitisse que cada estado federado tivesse sua própria legislação, poderíamos pensar na aplicação de fiança e medidas cautelares (em substituição à prisão preventiva) como uma mudança válida”, frisa.

Fonte: Jornal do Dia

2 comentários:

naira marques disse...

Essa lei vale mesmo aqueles que forem condenados a crimes ediondos?

Emanuel Costa disse...

Não, para crimes hediondos a lei é diferente!