Numa explícita demonstração de oportunismo político, com o qual tenta reconstituir alguns traços de sua desgastada imagem popular, o presidente do Senado, senador José Sarney (PMDB-AP), apresentou - com o generoso e igualmente oportunístico apoio de 26 de seus pares, incluindo os líderes dos partidos governistas - projeto de decreto legislativo que convoca novo plebiscito nacional no qual a população dirá se concorda ou não com a proibição da venda de armas de fogo e munição no País.
Trata-se de matéria vencida, sobre a qual a população já deu sua opinião muito clara. Em outubro de 2005, convocados para manifestar-se sobre a proibição do comércio de armas de fogo, os eleitores deram esmagadora vitória ao "não", que obteve 64% dos votos, contra 36% favoráveis à proibição. Portanto, se o projeto for aprovado pelas duas Casas do Congresso, os brasileiros terão de se manifestar novamente, no dia 2 de outubro, sobre questão que já resolveram de maneira tão peremptória. Um desperdício de tempo e dinheiro público.
A questão só está sendo trazida ao debate por interesse pessoal de quem tenta aproveitar um momento de grave preocupação social com a segurança pública, provocada pelo bárbaro assassínio, cometido por um psicopata, de 12 estudantes na Escola Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro. Políticos espertos não perdem a oportunidade para, em nome de boas causas, mas mesmo à custa da razão e do bom senso, e às vezes até dos princípios, apresentar-se ao público como autores de uma iniciativa salvadora.
A proibição da venda de armas de fogo é uma dessas ideias que de tempos em tempos ressurgem. Desta vez, esclareceu o senador maranhense do Amapá, não se propõe um referendo, como foi a consulta popular de 2005, porque, nesta modalidade, o eleitor é chamado a decidir sobre algo que já existe. "O plebiscito é para consultar (a população) sobre se nós podemos ou não modificar lei que já existe", completou Sarney.
Esta explicação sobre a diferença entre referendo e plebiscito é a única coisa útil na iniciativa de Sarney. A proposta, em si, é inútil. Por que chamar novamente a população para se manifestar sobre algo a respeito do qual já deu sua opinião clara há seis anos? Desde então não mudaram as regras do convívio social, nem o quadro da criminalidade que atormenta o País, nem as políticas do governo para conter a violência e o banditismo, a ponto de justificar nova consulta.
Lembre-se, a propósito, que uma consulta popular tem custos para os contribuintes. O referendo de 2005 custou R$ 252 milhões aos cofres públicos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral. Por que não utilizar o dinheiro para melhorar as condições operacionais dos órgãos de segurança pública, em vez de realizar uma consulta desnecessária?
A nova consulta é improcedente não apenas porque a resposta já é conhecida, mas, sobretudo, porque uma eventual proibição do comércio de armas de fogo não impedirá que os criminosos continuem a obtê-las pelos mesmos métodos que utilizam hoje. Bandidos em geral não usam armas legalizadas, muito menos registradas em seu próprio nome. Psicopatas com impulsos homicidas - como foi o caso do autor do morticínio em Realengo -, tampouco. Eles as adquirem no mercado clandestino e é isso o que, com ou sem proibição, continuarão a fazer.
Ninguém contesta que a circulação de armas de fogo deve ser rigorosamente controlada pelas autoridades. Mas sua atenção deve estar centrada no combate ao comércio ilegal. Aí está, de fato, um dos caminhos importantes para reduzir a criminalidade. A proibição do comércio de armas é apenas "uma cortina de fumaça", para desviar a atenção dos problemas de segurança pública, como observou o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante.
Além disso, a proibição desarma o cidadão honesto, sem desarmar o criminoso. Não reduz a criminalidade e fere direitos e garantias individuais, como o exercício da legítima defesa por quem é ameaçado por um bandido armado. Na busca apenas de votos e prestígio, os que propõem a proibição omitem esses aspectos de sua proposta.
Fonte: O Estado de S.Paulo
17 de abril de 2011
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