30 de dezembro de 2010

Alvo de ação da PF, Amapá sofre com falta dinheiro e contratos ilegais

Extremo Norte do país. O estado do Amapá é caracterizado por ser um dos últimos destinos do Rio Amazonas e pelo relevo de pouco acidentes, propício às enchentes e à formação de mangues e de grandes lamaçais. Em seis anos, um dos estados mais pobres do país transferiu para a política as suas características geográficas. Quatro operações da Polícia Federal (PF), cerca de uma centena de funcionários de governo presos por fraudes em licitações, incluindo o atual governador, Pedro Paulo Dias, o ex-governador Waldez Góes, além do prefeito de Macapá, Roberto Góes. O saldo é resultado de dezenas de obras superfaturadas e de um sentimento de impunidade que levou o poder local a fechar contratos como o de duplicação da rodovia Duca Serra, que custará R$ 6 milhões por quilômetro.

Desde a última operação deflagrada pela PF no estado, a Mãos Limpas, em setembro, a cúpula do poder no Amapá, que tem cerca de 650 mil habitantes, foi classificada pela corporação como uma das maiores organizações criminosas já investigadas no país. “Há muito, a fase de infiltração no poder público foi superada, tratando-se aqui da simples e direta tomada do poder pelos membros da organização”, relata o inquérito da PF. De acordo com a polícia, somente em uma negociata com empresários da Indonésia, o governador Pedro Paulo receberia a quantia de R$ 30 milhões. Ao todo, a estimativa é de que, por ano, ao menos R$ 300 milhões escorram pelos ralos da corrupção, de um orçamento estadual de R$ 2,7 bilhões. Somente na Assembleia Legislativa do estado, estariam lotados pelo menos mil funcionários fantasmas.

Como resultado da passagem de uma das maiores organizações criminosas já investigadas no país, segundo a PF, o Amapá iniciará 2011 praticamente falido. O orçamento não dará para bancar a atual folha salarial, estimada em R$ 3 bilhões. Isso sem contar os programas sociais inchados e as obras faraônicas — somente a duplicação de uma rodovia ligando Macapá a Santana, com 17 quilômetros de extensão, consumirá R$ 106 milhões. “Não podemos interferir nos outros poderes, mas nos convênios fraudulentos com prefeituras, podemos. Vamos rever todos os contratos, diminuir a folha salarial. A corrupção não pode ser combatida apenas pela Polícia Federal”, prega o governador eleito, Camilo Capiberibe.

Com dívidas estimadas em R$ 1,3 bilhão, o estado ainda precisará passar o pires em Brasília. “Precisamos de recursos federais para investimentos, para fazer a economia funcionar, o estado é muito dependente economicamente”, explica Capiberibe. O novo governador pretende convencer o governo a enviar recursos para o Amapá com um aperto considerável nas contas públicas, além de medidas de transparência total, como a divulgação dos extratos de contas do governo no site oficial do estado. “A própria Polícia Federal divulgou a informação de que não havia um só contrato regular. Podemos reduzir esse deficit só com um ajuste fiscal. Sem fazer isso, não dá para pedir ajuda do governo federal”, admite.

DESFECHO ESPERADO

Ao passo em que o controle do Executivo troca de mãos, o Amapá ainda aguarda o desfecho da última operação da PF no estado. Depois das prisões em setembro do então presidente do Tribunal de Contas do estado, Júlio Miranda, de Waldez Góes e de Pedro Paulo Dias, entre outros, o prefeito de Macapá, Roberto Góes, está detido na Superintendência da corporação em Brasília desde a semana passada. Primo de Waldez, ele teria tentado ocultar provas e dificultar as investigações da polícia coagindo testemunhas.

Cassado seis vezes desde a eleição em 2008 por diversas irregularidades na campanha, todas relacionadas ao abuso do poder econômico — que incluiu até a distribuição de cestas básicas —, Roberto Góes também aguarda uma decisão definitiva do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a sua permanência no cargo. O processo está na mesa da ministra Cármen Lúcia. Enquanto isso, o prefeito apostava as chances de sair da Superintendência da PF antes do ano-novo com o julgamento de um habeas corpus impetrado no Supremo Tribunal Federal. O presidente do STF, Cézar Peluso,negou o pedido na sexta-feira.

TRÊS PERGUNTAS PARA CAMILO CAPIBERIBE, GOVERNADOR ELEITO DO AMAPÁ

O QUE ACONTECEU NOS ÚLTIMOS ANOS QUE LEVOU O ESTADO A ESSA CONDIÇÃO?

Foi implantado, nos últimos anos, um sistema político de cumplicidade e de autoproteção entre os Três Poderes, o chamado grupo da harmonia, todo contaminado pela corrupção. Temos tido ações da Polícia Federal desde 2004, com a Operação Pororoca. O esquema foi implantado em 2003 e, desde então, não houve qualquer atitude no sentido de modificar esse esquema porque o sentimento de impunidade era muito grande. Faltou combinar com a Polícia Federal e o sistema mostrou não ser capaz de garantir a proteção que prometia a esses corruptos.

QUAL A SITUAÇÃO FINANCEIRA DO ESTADO?

Não nos foi franqueado acesso amplo às contas de governo, o que não nos deixou detectar várias irregularidades flagrantes. Mas temos diversas situações que sugerem isso. Ainda antes das eleições, o governo dobrou o número de beneficiários de programas sociais sem recursos suficientes. Sem o dinheiro em caixa, as pessoas estão há três meses sem receber o dinheiro e não temos recursos para bancar isso. Temos uma ineficiência crônica do governo no atendimento à população em questões básicas. Além disso, herdaremos um estado praticamente falido. A dívida é absurda, de mais de R$ 1,3 bilhão. O orçamento público do estado e de todos os poderes é de R$ 2,7 bilhões. Metade está comprometida. Só de gastos correntes, gastamos R$ 3 bilhões. Ou seja, a conta não fecha.

DE QUE FORMA A DISTÂNCIA DO ESTADO PARA O PODER CENTRAL CONTRIBUIU PARA A SITUAÇÃO ATUAL?

O Amapá é um feudo do senador José Sarney (PMDB-AP) e o governo federal respeita essa liderança. Mas, ainda assim, praticamente todos os aliados dele aqui foram presos nos últimos meses, porque tudo tem limite. A confiança da elite política do Amapá era de que o senador jamais permitiria que isso acontecesse, mas a minha convicção era de que ele não conseguiria evitar as ações pelo tamanho do escândalo detectado. O atual prefeito de Macapá foi cassado seis vezes e conseguiu retornar com liminares. O processo está no Tribunal Superior Eleitoral e simplesmente não anda. Há pareceres pedindo a cassação dele. Por que tanta demora?

HISTÓRICO DE OPERAÇÕES

Confira as ações da Polícia Federal ocorridas no estado nos últimos anos

POROROCA

Início novembro de 2004 Irregularidades detectadas fraudes de R$ 103 milhões em licitações nos municípios de Macapá, Santana e Oiapoque Saldo 31 pessoas presas, entre elas os então prefeitos de Santana, Rosemiro Rocha; e de Macapá, João Henrique Pimentel

ANTÍDOTO

Início março de 2008 Irregularidades detectadas fraudes em licitações para compra de medicamentos que resultaram em um desvio de R$ 20 milhões entre 2003 e 2006 Saldo 28 pessoas presas, entre elas dois ex-secretários de Saúde, Uilton José Tavares e Abelardo da Silva Vaz

TOQUE DE MIDAS

Início julho de 2008 Irregularidades detectadas fraudes em licitações para a concessão da estrada de ferro entre Serra do Navio e Santana. A estrada serve de roteiro para o escoamento de minérios Saldo cumpridos 12 mandatos de busca e apreensão, e a ação culminou na prisão do delegado Romero Menezes, então diretor executivo da PF, acusado de interferir na investigação para favorecer um irmão

MÃOS LIMPAS

Início setembro de 2010 Irregularidades detectadas fraudes em licitações Saldo 40 pessoas presas, entre elas o governador, Pedro Paulo Dias; o ex-governador Waldez Góes; o prefeito de Macapá, Roberto Góes; e o então presidente do Tribunal de Contas do Amapá, Júlio Miranda.

Fonte: Correio Brasiliense

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