A única maneira de Bin Laden sobreviver após o 11 de setembro de 2001 e sua fuga das cavernas de Tora Bora era vegetar em algum casebre ou caverna nas zonas tribais do Paquistão, ou permanecer permanentemente encerrado num cubículo de um barraco de alguma das enormes favelas de Karachi ou outra grande cidade, sem nunca sair. Ter contato com uma ou duas pessoas no máximo, abdicar de qualquer papel mais ativo no comando da Al Qaeda, a não ser a gravação esporádica de fitas. É provável que tenha sobrevivido assim alguns anos mas, depois, como seria humanamente previsível, deixou levar-se por um sentimento de orgulho, vaidade e pela busca de algum grau de conforto.
Do ponto de vista de segurança, mudar-se para uma mansão isolada, protegida por muros e cercas de arame farpado, aparentemente construída especialmente para abrigá-lo, perto de uma instalação militar paquistanesa, foi uma decisão temerária. Um “aparelho” em local isolado, muito visível, e não o mais discreto e imperceptível que se consiga, é uma erro crasso e amador que uma figura com a experiência clandestina de Bin Laden surpreende em ter cometido. Fica improvável que o serviço secreto paquistanês, o temível ISI, não tivesse conhecimento ou suspeita desse “aparelho”. Especialistas do jogo duplo, eles podem facilmente ter passado a informação aos americanos, ainda que na versão oficial tudo começou com a detecção de um mensageiro da Al Qaeda através de uma informação obtida em Guantanamo e sua detecção depois de longa pesquisa no Paquistão.
O fato é que Bin Laden relaxou e, como seria de esperar, dançou. A única forma dele sobreviver de fato teria sido morrer virtualmente. Ou morrer mesmo secretamente. Assim, perpetuar-se-ia como um espectro, um mito. Politicamente, Bin Laden morreu na primavera árabe. Os regimes ditatoriais nacionalistas “infiéis”, contra os quais originalmente os djihadistas sonharam levantar as massas para restabelecer o califado do início do passado milênio, começaram a ser derrubados. Não por eles, mas por um movimento democrático para todos os efeitos antípoda aos seus valores, ocidentalizado. O ódio doutrinário dos djihadistas pela democracia foi repudiado, nas ruas, pelas jovens multidões árabes. Mesmo os setores islâmicos que participam do processo, como os irmãos muçulmanos, defendem eleições livres e instituições democráticas. Os djihadistas encarnados por Bin Laden haviam voltado seu terrorismo contra o “inimigo distante”, os EUA, a Europa, após o fracasso de suas tentativa de derrubar o “inimigo próximo”: Mubarak e os outros ditadores árabes nacionalistas pró-ocidentais. Agora, multidões desarmadas mobilizadas pela internet e pedindo liberdade e democracia foram vitoriosas no Egito e na Tunísia.
A morte de Bin Laden não representa nem de longe o fim do terrorismo djihadista. É provável que haja novos e cruentos atentados. Mas ela assinala a queda de um símbolo de primeira grandeza numa luta que, não obstante seus morticínios, se dá essencialmente em torno de percepções e símbolismos. Para Barack Obama, que desde sua eleição é perseguido por circunstâncias inclementes herdadas de George Bush como as duas guerras e a crise econômica, é um feito d’armas de valor politicamente inestimável que pode ter lhe garantido a reeleição em 2012. Com certeza, destrói todo o esforço dos republicanos de apresentá-lo como um presidente pusilânime, molenga. Depois de prestar enorme serviço a George Bush e à direita republicana quando dos ataques de 11 de setembro, Bin Laden acabou por favorecer Obama e os democratas na sua segunda morte.
Fonte: Congresso em Foco
5 de maio de 2011
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