Escrito por Gilvam Borges*
Enquanto mentiras foram repetidas à exaustão, entendi que João Capiberibe exercitava o desprezível (porém lamentável) “juris esperniandis”, ou seja: o direito de reclamar.
Crianças, idosos, homens, mulheres, adolescentes, manipuladores, perversos, eu, você; enfim, todos nós o temos. A reclamação, afinal, é prerrogativa humana. E, em regimes democráticos, o direito de reclamar é uma garantia constitucional, que alimenta um fetiche muito próximo da liberdade de expressão. E, também por isto, a despeito das mentiras proferidas, nada disse, porque a decisão da Justiça falava por mim.
No momento em que este blog publicou artigo assinado por João Capiberibe (“Três vezes cassado: uma na ditadura, duas na democracia”), narrando a fictícia versão do autor acerca do processo que culminou com a cassação do mandato dele e de Janete Capiberibe, penso que, em respeito aos seus leitores, é imperioso esclarecer os seguintes fatos:
Não obstante a “versão” de João Capiberibe, de que “conseguiu” ser vítima de cassação na ditadura e “duas vezes” na democracia, Capiberibe mente.
Mais especificamente, João Capiberibe mente na parte que diz respeito a “duas cassações na democracia”. Ora, João e Janete Capiberibe não foram cassados em 2004 por terem “comprado dois votos a R$ 26, em duas prestações, nas eleições de 2002”. Por favor, o processo foi público e, quem quiser, pode – e deve – consultá-lo: 21.264 no TSE e 446.907 no STF.
Há alguém que, de boa-fé, seja capaz de acreditar que um senador da República e uma deputada federal possam ter sido apeados de seus cargos tão-somente pela denúncia de duas testemunhas humildes, que asseveraram receber R$ 26 para votar no casal, em eleições livres, nominais e diretas?
Ao longo do processo, o casal Capiberibe teve o mais amplo direito de defesa e ao contraditório. A justiça eleitoral é uma das mais respeitadas do Brasil e não permite esse tipo de ataque ou achincalhe. Aliás, todas as sessões do Tribunal Superior Eleitoral - TSE são públicas e abertas. E o leitor (e eleitor) pode consultá-las: www.tse.jus.br
O processo não foi de iniciativa individual nem objetivou a interesses pessoais. De ninguém. Foi uma ação partidária.
Nas eleições de 2002, o meu partido foi responsável por “judicializar” o conjunto probatório reunido por indícios coletados pelas autoridades competentes no bunker dos Capiberibe, onde foram confiscados R$ 16 mil escondidos no forro da casa do cachorro, envelopes com adesivos dos candidatos, um cadastro com 5,8 mil eleitores (endereços, filhos, local de preferência para trabalhar futuramente, títulos de eleitor e locais de votação), relação de assessores e recibos já assinados.
Diga-se, o tal bunker era nada mais nada menos que a residência de Eunice Bezerra de Paula (ex-secretária de Educação do governo Capiberibe) e Eloiana Cambraia (ex-secretária de Trabalho e Cidadania da prefeitura de Macapá). No momento da batida estava outro servidor do governo que tinha lealdade canina a Capiberibe, o coronel Ricardo Leão Dias. Dias foi chefe da Casa Militar nos dois governos de Capiberibe e e sua mulher foi secretária de Comunicação do Amapá na mesma época.
A robustez das provas, associada aos depoimentos de pessoas que venderam votos em troca de vantagens, convenceram as autoridades locais e o Procurador Regional Eleitoral, Manoel Pastana.
Pastana, que acompanhou a batida policial, relatou em um livro (“De faxineiro a procurador”) que sofreu muitas pressões à época e, desmentindo a realidade manufaturada do senador cassado, afirmou textualmente:
“Não houve injustiça contra o casal Capiberibe. É que, ao contrário do alardeado, a cassação não foi apenas com base nas declarações de duas testemunhas. Como visto, foram apreendidos fartos materiais indicativos de captação ilícita de sufrágio (compra de voto), tais como dinheiro escondido no teto, vales-combustível, envelopes, etc. É bem verdade que isso seria indicativo da compra de votos no dia da eleição, o que restou abortado pela operação, contudo, vários cadastros de eleitores foram apreendidos e envelopes com registro de valores denotam, no mínimo, que houve promessa de vantagem, caso contrário, os eleitores não teriam fornecido nomes para registro. Isso (a promessa de vantagem) é suficiente para configurar a infração eleitoral que leva à cassação. Ademais, as duas testemunhas tinham os nomes nos registros apreendidos, o que indica maior credibilidade aos seus depoimentos e elas apontaram com segurança muitas outras pessoas que também comprometeram o voto."
As duas testemunhas mencionadas pelo Procurador Manuel Pastana eram Rosa Saraiva dos Santos e Maria de Nazaré, que voltariam ao noticiário. Ambas foram procuradas pelo advogado Antônio Tavares Neto e pelo ex-secretário de saúde, Jardel Nunes.
A dupla – assessores nomeados por Capiberibe no Senado pelos atos 2175/2003 e 188/2003 – ofereceu dinheiro para as duas alterarem os depoimentos e acabaram sendo processados (06131.3767.2009.8.3.0001) por tentativa de corromper testemunhas.
O processo, que culminou com a cassação de João e Janete Capiberibe, já transitou em julgado e já perdeu o objeto. Ainda assim, é importante registrar: foi movido pelo PMDB no Amapá, baseado no conjunto probatório produzido pela Polícia Federal, Ministério Público Eleitoral e juízes eleitorais.
Ao longo do processo, o casal Capiberibe teve o mais amplo direito de defesa e ao contraditório. Como lembramos há pouco, estava em julgamento o mandato de um senador e o de uma deputada federal.
Todavia, mesmo com o mais amplo direito de defesa e ao contraditório, em sessões públicas e abertas, a defesa do casal Capiberibe não foi convincente, diante das provas coletadas.
Réus em condenação de segunda instância, João e Janete tiveram o registro de candidatura indeferido nas eleições de 2010 devido à Lei Complementar nº 135/2010, de iniciativa popular, que exigiu “Ficha Limpa” dos candidatos.
Ao contrário do protagonista do romance kafkiano, João Capiberibe bem sabe por que foi cassado em 2004 e por que ficou impedido de concorrer às eleições de 2010.
Longe de viver um “absurdo pesadelo”, ele está vivendo a realidade de quem transigiu, trapaceou, subverteu, aliciou, jogou sujo e supôs que a Justiça não o enquadraria mais na frente. Na realidade, o casal Capiberibe só é vítima em obra de ficção. E esses fatos não mais comportam versões.
* Gilvam Borges é senador pelo PMDB/AP
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