O casal João e Janete Capiberibe foram eleitos senador e deputada federal com votação expressiva, mas não sabem se serão diplomados pela Justiça. Na terça-feira (7), a ministra Cármen Lúcia, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou a exclusão dos seus nomes da lista de eleitos no Amapá. Com base na Lei da Ficha Limpa, eles foram considerados inelegíveis, graças a uma condenação em 2002 por suposta compra de votos. O casal não pretende entrar no mérito da sentença de oito anos atrás, mas luta para reverter no Supremo Tribunal Federal a decisão desfavorável que resultou na cassação das candidaturas.
“O período de inelegibilidade previsto na Ficha Limpa é de oito anos. Eu já cumpri esse prazo. Já paguei a minha pena. Justa ou injusta, essa condenação foi cumprida”, afirma Capiberibe, em entrevista a CartaCapital. A situação do casal é sui generis. Caso o cronômetro da nova lei leve em conta a data de registro da candidatura, eles devem perder o mandato (foram condenados em setembro de 2002). Caso a Justiça entenda que, para a aplicação da Ficha Limpa, vale a data da eleição, o prazo de oito anos estaria, como ressalta o ex-governador do Amapá, completamente cumprido. “Esperamos que prevaleça o primeiro entendimento, caso contrário eu seria punido por 10 anos.”
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
CartaCapital: O senhor já declarou publicamente que sua cassação é fruto de perseguição política.
João Capiberibe: No meu mandato de governador, eu tomei medidas duras contra a corrupção e o tráfico de drogas, que se apoderou da máquina pública. Não era possível lavar tanto dinheiro do tráfico sem o suporte de outras atividades criminosas. E houve uma ocupação enorme do aparelho do Estado por esse pessoal. A corrupção, em geral, acontece nas duas pontas: ou na arrecadação ou na destinação de recursos. Concentrei o foco nessas pontas, combati a corrupção no estado e, como conseqüência, fui alvo de pedidos de impeachment, tive registros de candidaturas cassados. Tudo por causa das posições que tomei.
CC: Então foi uma retaliação dos grupos que deixaram de lucrar com o governo?
JC: Outra coisa que despertou muito descontentamento foi o fato de eu expor na internet as contas do estado, de contas bancárias ao detalhamento das despesas. Isso, de certa forma, pressionou todo mundo a fazer o mesmo, inclusive o Legislativo e o Judiciário. Na eleição de 2002, nós concorremos. A Janete [Capiberibe, mulher do ex-governador amapaense] foi a deputada federal mais votada. Eu não fui o mais votado, fiquei em segundo lugar, mas também me elegi para uma cadeira do Senado. É nesse momento que o PMDB entra com um processo de investigação eleitoral baseado em duas acusações. Uma é a de que eu teria desviado 365 milhões de reais ao sair do governo. Além disso, me acusaram de ter comprado os votos de duas mulheres com 26 reais.
CC: Razão pela qual o senhor perdeu o mandato.
JC: O curioso é que essa denúncia não prosperou no Tribunal Regional Eleitoral, que nos declarou inocentes. Mas o PMDB não desistiu e levou a denúncia para Brasília, para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em abril de 2004, os ministros da Corte cassaram nossos registros e, consequentemente, os mandatos. Recorremos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a disputa avançou até dezembro de 2005, quando eu perdi o mandato. E a Janete perdeu um ano do seu mandato em janeiro do ano seguinte. Em 2006, voltei a me candidatar ao governo do estado e perdi. Mas minha mulher foi eleita a deputada mais votada, com 10,25% dos votos. E o governo que assumiu era a quadrilha que eu denunciava. Eles saquearam o estado. A Polícia Federal fez quatro operações no Amapá, a última delas em setembro deste ano. Prendeu o ex-governador, o governador atual, diversos secretários, alguns empresários. Até em função disso, decidi me candidatar novamente. O TSE homologou nossas candidaturas, mas o PMDB e o Ministério Público Eleitoral recorreram ao TSE. E lá tivemos a candidatura cassada.
CC: O senhor fala sobre a atuação do PMDB, mas, há algum tempo, dizia que as denúncias eram obras de José Sarney.
JC: Pelas brigas que compramos no estado, imaginávamos ter algum tipo de problema na Justiça local, no TRE. Não foi o que aconteceu. Perdemos no TSE. Não posso dizer que o Sarney teve participação direta, mas os advogados que nos acusaram eram advogados na mesa do Senado, quando o Sarney era presidente da Casa. Há um dedo do Sarney nesse processo. Cassaram o meu mandato em 2002 e, agora, estão me jogando na Lei Ficha Limpa. Recorremos, mas no dia 30 de setembro, dias antes da eleição, cassaram meu registro. Na verdade essa é uma questão política, uma disputa antiga que se transformou numa briga jurídica.
CC: E como ficou a acusação dos 365 milhões de reais supostamente desviados?
JC: O Ministério Público Federal mandou a PF verificar a história. Houve uma ampla investigação e eles concluíram que não houve desvio de dinheiro coisa nenhuma. Na disputa pelo orçamento em 2002, a Assembléia Legislativa entrou com ações na Justiça para exigir a liberação de recursos. Se o desembargador dava sentença favorável, o governo era obrigado a depositar o que tinha na sua conta para a Assembléia. Eles usaram essa artimanha duas vezes. Na terceira, o então secretário de Fazenda estava preparado e tirou todo o dinheiro das contas do estado, transformou os recursos em cheques administrativos. Quando o desembargador concedia alguma liminar, não havia dinheiro na conta para efetuar o pagamento imediato, então dava tempo de recorrer da sentença em instâncias superiores. Mas depois os cheques voltavam a ser convertidos em dinheiro nessas contas do governo estadual. Os 365 milhões de reais eram a somatória desses cheques. A polícia verificou todas as operações e contatou que não houve desvio de recurso algum. Eu cheguei a ingressar no Supremo Tribunal Federal contra meus acusadores, por denunciação caluniosa, mas a Corte não me permitiu processá-los criminalmente.
CC: Qual é a sua expectativa em relação à manutenção do mandato de senador, que pode ser cassado pela Ficha Limpa?
JC: É positiva. Sem entrar no mérito da condenação de 2002, o período de inelegibilidade previsto na Lei Ficha Limpa é de oito anos. Eu já cumpri esse prazo. Já paguei a minha pena. Justa ou injusta, essa condenação foi cumprida. Mas também quero me diferenciar de outros políticos, notadamente corruptos, que estão na mesma vala que eu, barrados pela lei Ficha Limpa.
CC: Qual é a sua opinião sobre a Lei Ficha Limpa?
JC: A lei colocou todos na mesma vala comum, os corruptos e os inocentes que ainda aguardam decisão da Justiça. A Ficha Limpa, na verdade, veio para preencher um vácuo que existe no Judiciário. Na ausência ou demora de decisões judiciais, para eliminar de vez os maus políticos da vida pública, criou-se a Ficha Limpa. Mas quem deveria cumprir essa tarefa é o Judiciário. O processo contra o Jader Barbalho, por exemplo, se arrasta na Justiça há 15, 20 anos. Ora, se ele é culpado ou inocente, essa decisão deveria ter sido tomada há muitos anos. Não deveria haver necessidade de criar uma lei para impedi-lo de assumir. A mesma coisa vale para o Paulo Maluf, condenado por um ato do tempo em que era prefeito de São Paulo. Só que ele governou até 1996. Como não existe uma decisão final sobre esse caso? Por isso sou favorável à eliminação do foro privilegiado.
CC: Por que exatamente?
JC: Isso é uma excrescência, o político deveria ser tratado como um cidadão comum. Foro privilegiado é algo tão pernicioso como a cela especial para presos com nível superior. Criamos, no Brasil, uma diferenciação de classes no mundo do crime. Além disso, o foro privilegiado atrasa o julgamento dos crimes contra a administração pública. No dia em que o Judiciário julgar a todos sem distinção e com celeridade, não haverá impunidade nem a necessidade de uma lei como o Ficha Limpa. A lei para suborno, para chantagem, já existe no Código Penal. Não precisa criar uma específica para compra de votos, a ser usada pela Justiça Eleitoral.
CC: Diante de tantos problemas na trajetória pública, o que o motiva a continuar na política?
JC: Eu sou um militante político. Qualquer político liberal teria feito suas malas e partido para outra atividade. Eu fiquei preso por um ano na época da ditadura. Depois passei dez anos no exílio. Vivemos na Bolívia, no Chile, no Canadá e em Maputo, a capital do Moçambique. Voltei para cá e disputei minha primeira eleição em 1982, mas perdi. Seria eleito prefeito de Macapá em 1988. Eu queria saber como era aplicado o dinheiro público, sempre tive essa curiosidade. As informações sobre aplicação, arrecadação e gastos não existia. Começaram a aparecer após a Constituição de 1988 e agora elas estão muito mais abertas.
CC: Essa transparência se deve a algum fator específico?
JC: Em parte, deve-se à Lei de Responsabilidade Fiscal, que toda a esquerda foi contra. Eu me orgulho de ser o único governador que era a favor naquela época. Eu mesmo criei uma lei com essa finalidade, a Lei Complementar 131, que aumentou enormemente a exposição de informações públicas pela internet. A norma entrou em vigor neste ano. Apesar desse meu compromisso com a transparência, talvez eu seja o político mais cassado do Brasil. Uma ocorreu na época da ditadura. Na verdade, fui caçado com cedilha. A outra ocorreu um 2002 e mais uma vez agora.
CC: Por que o senhor acredita que a Ficha Limpa não se aplica ao senhor?
JC: A lei eleitoral diz que as causas de inelegibilidade são apuradas no momento em que você registra a candidatura, salvo algumas mudanças que possam ocorrer no transcurso das eleições. Ou seja, uma alteração na lei, algum fato novo. Nossa esperança é que analisem nosso caso separadamente, e não seguindo o entendimento aplicado a todos indistintamente.
Fonte: Revista CartaCapital
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