16 de novembro de 2010

Carta aberta à Assembleia Legislativa do Amapá

A democracia moderna se caracteriza, no aspecto da estrutura de poder, pela chamada separação de poderes. Nesta perspectiva, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são autônomos e harmônicos. A autonomia fica assegurada, entre outros fatores, quando os poderes dispõem de recursos financeiros suficientes para manter suas competências constitucionais sem necessidade de pedir recursos a outro poder e sem que isso impeça que outro poder fique impossibilitado de exercer suas respectivas competências.

O Estado do Amapá, nestes últimos anos, no aspecto do financiamento dos poderes, vive uma situação singular: O orçamento da Assembléia Legislativa tem sido de um valor muito elevado, se comparado a órgãos do Poder Executivo que executam também importantes funções de governo. Infelizmente o Governo do Estado não é transparente e as informações sobre execução orçamentária não estão disponíveis para a sociedade. O quadro a seguir apresenta informações sobre o orçamento da Assembléia Legislativa e de outros órgãos do Estado, relativo ao exercício de 2009.

Quadro 1 – Orçamento do Estado do Amapá – Exercício de 2009

Órgão

Orçamento

Assembleia Legislativa

90.936.725,00

Tribunal de Contas do Estado

45.625.866,00

Secretaria de Justiça e Segurança Pública

32.997.477,00

Secretaria de Indústria e Comércio

3.811.014,00

Secretaria de Trabalho e Empreendedorismo

5.069.114,00

Secretaria de Ciência e Tecnologia

1.761.471,00

Secretaria de Meio Ambiente

1.740.935,00

Secretaria de Turismo

8.653.107,00

Polícia Militar

5.387.025,00

Polícia Civil

4.200.180,00

Corpo de Bombeiros

4.167.969,00

Universidade do Estado do Amapá

3.093.216,00

CAESA

6.729.450,00

CEA

5.408.498,00

As informações apresentadas permitem identificar que o orçamento da Assembléia Legislativa é imensamente maior que o orçamento de diversas secretarias e órgãos de Estado que executam importantes políticas públicas. Neste sentido, o valor do orçamento mensal da Assembléia, chamado duodécimo (orçamento anual dividido por 12) é R$ 7.578.060,41, ou seja, é maior que o orçamento anual de diversas secretarias e órgãos do governo.

É possível, ainda, estabelecer outra comparação. Dividindo o orçamento da Assembleia por 24 (que é o número de deputados estaduais) tem-se o valor de R$ 3.789.030,21 significando que em 2009 cada deputado custou ao povo amapaense quase quatro milhões de reais. Portanto, o custo anual de um deputado estadual é maior que o orçamento de importantes órgãos do Estado, como SEMA, SETEC e a Universidade do Amapá.

É importante estabelecer uma ressalva. No Poder Executivo, as despesas de pessoal não estão distribuídas pelas diversas secretarias e órgãos, mas agrupadas apenas na Secretaria de Administração. Todavia, mesmo que as despesas de pessoal estivessem rateadas nas Secretarias, ainda assim seus orçamentos seriam menores que o da Assembléia.

Pode-se, também, estabelecer comparação com o Poder Judiciário. Em 2009, o orçamento do Tribunal de Justiça foi de R$ 143.726.391,00. Todavia, é preciso destacar que o Tribunal de Justiça possui comarcas nos dezesseis municípios, tem aproximadamente 800 servidores concursados, 65% dos seus cargos comissionados são ocupados por servidores concursados, e está plenamente informatizado. Por seu lado, a Assembleia Legislativa está instalada apenas em Macapá e possui somente 136 servidores concursados.

Essa discrepância orçamentária decorre da forma de definição dos orçamentos dos poderes. Nos últimos anos, a Assembléia Legislativa tem estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO que os orçamentos da Assembléia, do Tribunal de Contas do Estado, do Tribunal de Justiça e do Ministério Público Estadual são definidos por um percentual da Receita Orçamentária efetivamente realizada. Assim, por exemplo, no orçamento/2009, os orçamentos da Assembleia, do Tribunal de Contas do Estado, do Tribunal de Justiça e do Ministério Público Estadual foram, respectivamente, 4,98%, 2,5%, 6,45%, e 3,5% da Receita Orçamentária efetivamente realizada. Sobre essa forma de definição dos orçamentos, há duas considerações a fazer:

De acordo com a Constituição Estadual, a LDO deve ser aprovada pela Assembléia até 30 de junho e o projeto de lei orçamentária deve ser enviado àquela Casa de Leis até 30 de setembro. Isso significa que antes mesmo de saber qual será o valor da receita do Estado, a Assembléia define que percentuais dessa receita devem ser destinados aos poderes. Dessa forma, a Assembléia define o seu orçamento não pelo prisma da despesa (quanto recurso necessita para desenvolver suas ações), mas pelo prisma da receita (do valor que o Estado arrecadar, um certo percentual pertence à Assembleia).

Outra implicação é que o orçamento da Assembléia não é fixo. Como ele é um percentual da receita corrente líquida, havendo excesso de arrecadação (o que ocorre todo ano), o orçamento da Assembleia cresce na mesma proporção, independentemente das necessidades reais de gastos do Poder.

O Instituto Raça Humana e demais entidades, cidadãos e cidadãs que subscrevem este documento, não pretendem que a Assembleia Legislativa não obtenha o orçamento necessário para o desempenho de suas funções constitucionais. Consideramos que a Assembleia exerce funções fundamentais para o processo democrático. A primeira delas é aprovar leis de interesse público, e a segunda é fiscalizar as ações do Poder Executivo. Neste último caso, no entanto, os recentes fatos evidenciados pela Operação Mãos Limpas, realizada pela Polícia Federal, demonstram que a Assembleia não vem cumprindo com eficácia sua função constitucional de fiscalizar o Poder Executivo.

As informações apresentadas permitem inferir que a Assembleia Legislativa tem custo elevadíssimo para o povo amapaense, mas não oferece benefícios concretos à população. Toda a sociedade amapaense tem sofrido com as graves deficiências das ações públicas. Todavia, a Assembleia sempre se manteve silenciosa quanto ao sofrimento do povo e sua ação, quando existiu, não trouxe ganhos concretos à sociedade.

Em razão do exposto, os cidadãos abaixo assinados exigem da nova Assembleia Legislativa a execução das seguintes ações:

a) Seja alterada a forma de definição dos orçamentos dos poderes, de forma que os mesmos reflitam a real necessidade de recursos para desenvolver suas competências constitucionais;

b) O imediato cumprimento da chamada Lei da Transparência. Para tanto, a Assembleia deve manter um portal eletrônico, em tempo real, com todos os dados sobre as receitas recebidas e as despesas executadas, contendo as seguintes informações:

b.1 Todas as despesas realizadas por cada deputado com as chamadas “verbas de gabinete”, contendo as pessoas físicas e jurídicas e respectivos valores recebidos;

b.2 Todas as fiscalizações procedidas em órgãos públicos e empresas privadas, contendo o objeto da fiscalização, as ocorrências encontradas, as medidas sugeridas, as providências adotadas e os resultados alcançados;

b.3 A atuação de cada deputado, como: frequência às sessões, viagens de interesse da Assembleia, projetos de lei apresentados, projetos de lei aprovados, requerimentos aprovados, participações em comissões, etc;

c) Aprove lei de instituição de Plano de Carreira da Assembleia, em qualidade e quantidade compatível com a natureza de suas competências e compatível como os planos de outras casas legislativas;

d) Realize concurso público por intermédio de empresa de reconhecimento nacional para preenchimento das vagas criadas pelo Plano de Carreira;

e) Estando a LDO para o exercício de 2011 já aprovada, que seja reduzido o percentual da Assembleia para 2,5% da Receita Orçamentária.

Instituto Raça Humana – Presidente Ronaldo Serra

Subscrevem

Ordem dos Advogados do Brasil – Secção/AP; Sindicato dos Serventuários da Justiça; Movimento Mãos Limpas; Confraria Tucuju; Fernando Canto – Sociólogo; Paulo Sérgio Alves Bezerra – Auditor do TCU-AP; José Carlos Tavares – Reitor da Unifap; Alcilene Mª C. Cavalcante Dias – Administradora e Jornalista; Carlos Augusto Tork de Oliveira – Advogado; José Ronaldo Serra Alves – Advogado; Wagner Costa Gomes – Advogado; Jucicleber Castro – Engenheiro; Márcia C. Pinehiro Corrêa – Jornalista; Ana Girlene Dias de Oliveira – Jornalista; Job Miranda de Moura – Pres. Sinjap; Telma Terezinha Costa – Advogada; Edinaldo Batista – Movimento Mãos Limpas; Telma Oliveira – Professora; Fátima Lúcia Guedes – Socióloga; Vitória Machado – Psicóloga.

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