O inquérito da Polícia Federal sobre a Operação Mãos Limpas, que prendeu 18 pessoas no dia 10, mostra um emaranhado de números e nomes que apontam desvios de verbas públicas na ordem de centenas de milhões no Amapá. Os efeitos concretos na rotina dos amapaenses se revelam em escolas e hospitais sucateados, obras faraônicas inacabadas, falta de água potável, rede de esgoto quase inexistente e apagões de energia diários nos bairros pobres.
Na Escola Estadual Maria Cavalcante Azevedo Picanço, na zona norte de Macapá, as gêmeas Ana Claudia e Ana Paula, de 12 anos, voltaram aos estudos esta semana tendo de assistir às aulas dividindo a cadeira com colegas. Na sala de 50 estudantes do 2º ano, elas contam que é normal estudantes terem de ficar de pé por causa de cadeiras quebradas. "Faltam também professores. As aulas de projeto a gente quase nunca tem", conta Ana Paula.
No lado sul e centro de Macapá, no Colégio Estadual Antônio Messias e no Colégio Amapaense, as aulas ocorrem dentro de salas que chegam a ferver a mais de 35 graus nas tardes quentes. "Os ventiladores estão quebrados e não tem climatizador. Ocorre de termos alunos e professores que chegam a desmaiar e são levados ao pronto-socorro", diz uma professora do Antônio Messias que pediu para não ser identificada.
Desde 2002 já houve 15 mudanças de diretores na escola, o que atrapalha a continuidade dos trabalhos. Como o posto é cargo de confiança, varia conforme o partido ou político que comanda a Educação. Ao longo de quase todo o ano passado, a maioria das escolas liberava os alunos mais cedo por falta de merenda.
Desperdício. Em Macapá e arredores, pode-se esbarrar por todo lado em tipos diferentes de monumentos ao desperdício. São obras inacabadas como as do Hospital Metropolitano, antigo Hospital do Câncer, que começou a ser erguido em abril de 2000. Três anos depois da obra em andamento, com 70% do prédio concluído - três blocos de quatro andares, em 1.200 metros quadrados -, o então governador , Waldez Góes (PDT), preso na Operação Mãos Limpas, definiu que o projeto seria modificado e daria lugar a um Hospital das Clínicas. Nesta semana, a obra - com tapumes para evitar a invasão de sem-tetos - não tinha nenhum vigia para resguardá-la.
"A decisão de não fazer o Hospital do Câncer foi absurda porque os pacientes com câncer precisam ser levados de avião para o Pará. Alguns são devolvidos porque o Amapá não paga ao Pará os custos do paciente. Em outros casos, o paciente amapaense acaba esquecido no Pará, recebendo R$ 140 mensais para se sustentar", conta o promotor de Cidadania do Amapá Marcelo Moreira.
Desde 2001, o promotor ajuizou cerca de 100 ações na área da saúde para pressionar o Estado a melhorar serviços, garantir remédios e instalar equipamentos em hospitais. Em uma delas, pediu providências e indenização para oito famílias que tiveram os filhos mortos no Hospital da Mulher Mãe Luzia por falta de equipamento e pessoal. O promotor também apontou que 62 mortes ocorreram no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital das Clínicas Alberto Lima em 2004 por causa da falta de equipamentos, leitos e remédios.
Em Santana, na Grande Macapá, é mais fácil encontrar escolas e hospitais inacabados do que equipamentos públicos novos. Em março, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) denunciou que o Hospital Estadual de Santana havia deixado o corpo de um jovem morto em um necrotério em obras. Eram as estruturas do novo prédio planejado para ampliar o atendimento do hospital da cidade, com obras ainda inacabadas e abandonadas em meio ao matagal.
Ainda em Santana, as aulas nas velhas classes de madeira da Escola Estadual Afonso Arinos, onde estudam quatro turmas de 120 alunos, vão continuar enquanto não acabar a reforma do prédio ao lado que caminha lentamente há mais de três anos. "Quando chove, a água entra e interrompemos as aulas", afirma um professor da escola, identificado como Maclon.
A alguns quilômetros dali, a arquitetura do prédio de uma escola que deveria ser imponente reflete planos ambiciosos que ficaram na intenção. A placa em frente ao prédio, tombada, anuncia o valor da obra: R$ 3.524.551,06. As aulas já deveriam ter começado. A falta de movimento no canteiro de obras mostrava ontem que a escola não estará pronta no próximo ano letivo.
Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo
19 de setembro de 2010
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